segunda-feira, 24 de agosto de 2009
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Cem anos de solidão
"Eram quatro e meia da tarde quando Amaranta Úrsula saiu do banho. Aureliano a viu passar diante do seu quarto, com um robe de pregas delicadas e uma toalha enrolada na cabeça como um turbante. Seguiu-a quase na ponta dos pés, cambaleando da bebedeira, e entrou no quarto nupcial no momento em que ela abria o robe e tornava a fechar espantada. Fez um gesto silencioso para o quarto contíguo, cuja porta estava entreaberta, e onde Aureliano sabia que Gastón começava a escrever uma carta.
- Vá embora - disse sem voz.
Aureliano sorriu, levantou-a pela cintura com as duas mãos, como um vaso de begônias, e jogou-a de frente na cama. Com um puxão brutal, despojou-a do roupão de banho antes de que ela tivesse tempo de impedi-lo e se aproximou do abismo de uma nudez recém-lavada que não tinha um matiz de pele, uma região de pêlos, um sinal escondido que ele não tivesse imaginado nas trevas de outros quartos. Amaranta Úrsula se defendia sinceramente, com astúcia de fêmea sábia, esquivando o escorregadio e flexível e cheiroso corpo de doninha, enquanto lhe tentava destroncar-lhe os rins com os joelhos e picava-lhe a cara com as unhas, mas sem que ele ou ela emitissem um suspiro que não se pudesse confundir com a respiração de alguém que contemplasse o econômico crepúsculo de abril pela janela aberta. Era uma luta feroz, uma batalha de morte, que entretanto parecia desprovida de qualquer violência, porque estava feita de agressões contorcidas e evasivas espectrais, lentas, cautelosas, solenes, de modo que entre uma e outra havia tempo para que voltassem a florescer as petúnias e Gastón se esquecesse dos seus sonhos de aeronauta no quarto vizinho, como se fossem dois amantes inimigos tentando se reconciliar no fundo de um lago diáfano. No fragor do encarniçado e cerimonioso forcejar, Amaranta Úrsula compreendeu que a meticulosidade do seu silêncio era tão irracional que poderia despertar as suspeitas do marido contíguo, muito mais do que os estrépitos de guerra que tentavam evitar. Então começou a rir com os lábios fechados, sem renunciar à luta, mas se defendendo com mordidas falsas e desesquivando o corpo pouco a pouco, até que ambos tiveram consciência de ser ao mesmo tempo adversários e cúmplices, e a briga degenerou numa excitação convencional e as agressões se tornaram carícias. De repente, quase brincando, como uma travessura a mais, Amaranta Úrsula descuidou da defesa e, quando tentou reagir, assustada do que ela mesma mesma tinha feito possível, já era tarde demais. Uma comoção descomunal imobilizou-a no seu centro de gravidade, plantou-a no lugar, e a sua vontade defensiva foi demolida pela ansiedade irresistível de descobrir o que eram os apitos alaranjados e os balões invisíveis que a esperavam do outro lado da morte. Mal teve tempo de esticar a mão e procurar às cegas a toalha e meter uma mordaça entre os dentes, para que não saíssem os gemidos de gata que já estavam rasgando as suas entranhas".
trecho de Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Marques
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Henry & June
Sexus Anaïs
"[...]
Quando viu que eu compreendia June e estava pronta a ser sincera com ele, conversamos livremente. Mas por um momento eu parei, hesitante, questionando minha infidelidade para com June. Então Henry comentou que embora a verdade, no caso de June, tivesse que ser posta de lado, seria a única base de qualquer relacionamento entre nós.
Nós dois sentimos a necessidade de aliar nossas mentes, nossas lógicas diferentes para compreender o problema de June. Henry a ama e sempre a ela. [...] Em seu amor por ela, ele tem superado tantos tormentos que o amante se refugiou no escritor. Ele escreveu um feroz e deslumbrante livro sobre June e Jean.
Ele questionava o lesbianismo. Quando me ouviu dizer certas coisas que ouvira June dizer, ficou surpreso, porque acredita em mim. Eu disse:
— Afinal de contas, se existe uma explicação do mistério é esta: o amor entre mulheres é um refúgio e uma fuga para a harmonia. No amor entre homem e mulher existe resistência e conflito. Duas mulheres não se julgam, não se violentam, nem encontram algo para ridicularizar. Elas se entregam ao sentimento, à compreensão mútua, ao romantismo. Tal amor é a morte, admito.
[...]
O verdadeiro nome dele é Heinrich — como prefiro. Ele é alemão. Para mim parece um eslavo, mas tem o sentimentalismo e o romantismo alemães em relação a mulheres. O sexo é amor para ele. Sua imaginação mórbida é alemã. Ele tem amor pela feiúra. Não se importa com cheiro de urina nem de repolho. Adora xingamentos, gírias, prostitutas, lugares freqüentados por gangsteres, sordidez, dureza.
[...]
As cartas de Henry me dão a sensação de plenitude que tenho tão raramente. Sinto enorme prazer em respondê-las, mas a quantidade delas se sobrepuja. Mal terminei de responder uma e ele já escreve outra. [...] Ação demais para a minha mente. [...]"
Anaïs Nin. Henry & June, diários não expurgados de Anaïs Nin (1931-1932).
Porto Alegre, L&PM Editores, 2007, pp. 38, 46-47
"[...]
Quando viu que eu compreendia June e estava pronta a ser sincera com ele, conversamos livremente. Mas por um momento eu parei, hesitante, questionando minha infidelidade para com June. Então Henry comentou que embora a verdade, no caso de June, tivesse que ser posta de lado, seria a única base de qualquer relacionamento entre nós.
Nós dois sentimos a necessidade de aliar nossas mentes, nossas lógicas diferentes para compreender o problema de June. Henry a ama e sempre a ela. [...] Em seu amor por ela, ele tem superado tantos tormentos que o amante se refugiou no escritor. Ele escreveu um feroz e deslumbrante livro sobre June e Jean.
Ele questionava o lesbianismo. Quando me ouviu dizer certas coisas que ouvira June dizer, ficou surpreso, porque acredita em mim. Eu disse:
— Afinal de contas, se existe uma explicação do mistério é esta: o amor entre mulheres é um refúgio e uma fuga para a harmonia. No amor entre homem e mulher existe resistência e conflito. Duas mulheres não se julgam, não se violentam, nem encontram algo para ridicularizar. Elas se entregam ao sentimento, à compreensão mútua, ao romantismo. Tal amor é a morte, admito.
[...]
O verdadeiro nome dele é Heinrich — como prefiro. Ele é alemão. Para mim parece um eslavo, mas tem o sentimentalismo e o romantismo alemães em relação a mulheres. O sexo é amor para ele. Sua imaginação mórbida é alemã. Ele tem amor pela feiúra. Não se importa com cheiro de urina nem de repolho. Adora xingamentos, gírias, prostitutas, lugares freqüentados por gangsteres, sordidez, dureza.
[...]
As cartas de Henry me dão a sensação de plenitude que tenho tão raramente. Sinto enorme prazer em respondê-las, mas a quantidade delas se sobrepuja. Mal terminei de responder uma e ele já escreve outra. [...] Ação demais para a minha mente. [...]"
Anaïs Nin. Henry & June, diários não expurgados de Anaïs Nin (1931-1932).
Porto Alegre, L&PM Editores, 2007, pp. 38, 46-47
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
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