segunda-feira, 25 de julho de 2011

A Vênus das peles trecho

" Ele mostra os dentes e o seu rosto toma aquela expressão sanguinária que já me tinha causado medo da primeira vez. E ele começa a me chicotear, tão impiedosamente, tão terrivelmente que estremeço a cada golpe e meu corpo inteiro se contorce de dor. As lágrimas inundam minhas faces e Wanda, na otomana, apoiada num braço, contempla a cena com uma feroz curiosidade e não controla mais o riso. Ser maltratado pelo rival favorecido, sob os olhos de uma mulher adorada, causa um sentimento indescritível: morro de vergonha e desespero. E o mais ignominioso é que sinto uma espécie de prazer fantástico e supra-sensual nesta situação lamentável, entregue ao chicote de Apolo e desprezado pelo riso cruel de minha Vênus. Mas Apolo me tira toda a poesia, um golpe após o outro até que afinal, trincando os dentes com impotente raiva, eu me maldigo, a mim e à minha imaginação voluptuosa, assim como à mulher e ao amor. Vejo de uma só vez com terrível clareza onde a paixão cega e a volúpia conduziram o homem desde Holofernes e Agamêmnom: levaram-no às teias traidoras da mulher, à miséria, à escravidão e à morte. É como se eu acordasse de um longo sonho. Meu sangue escorre sob o chicote, eu me contorço como um verme que se pisoteia mas ele continua a me chicotear sem pena e ela continua a rir sem pena ao mesmo tempo que fecha malas e veste a peliça de viagem. Ela ainda ri descendo as escadarias nos braços dele e subindo no carro. Houve um instante de silêncio. Retenho minha respiração para ouvir. As portas batem, os cavalos relincham, ouço durante algum tempo ainda o carro se afastando, depois tudo se apaga."



Leopold Sacher-Masoch