" Ele
mostra os dentes e o seu rosto toma aquela expressão sanguinária que já
me tinha causado medo da primeira vez. E ele começa a me chicotear, tão
impiedosamente, tão terrivelmente que estremeço a cada golpe e meu
corpo inteiro se contorce de dor. As lágrimas inundam minhas faces e
Wanda, na otomana, apoiada num braço, contempla a cena com uma feroz
curiosidade e não controla mais o riso. Ser maltratado pelo rival
favorecido, sob os olhos de uma mulher adorada, causa um sentimento
indescritível: morro de vergonha e desespero. E o mais ignominioso é que
sinto uma espécie de prazer fantástico e supra-sensual nesta situação
lamentável, entregue ao chicote de Apolo e desprezado pelo riso cruel de
minha Vênus. Mas Apolo me tira toda a poesia, um golpe após o outro até
que afinal, trincando os dentes com impotente raiva, eu me maldigo, a
mim e à minha imaginação voluptuosa, assim como à mulher e ao amor. Vejo
de uma só vez com terrível clareza onde a paixão cega e a volúpia
conduziram o homem desde Holofernes e Agamêmnom: levaram-no às teias
traidoras da mulher, à miséria, à escravidão e à morte. É como se eu
acordasse de um longo sonho. Meu sangue escorre sob o chicote, eu me
contorço como um verme que se pisoteia mas ele continua a me chicotear
sem pena e ela continua a rir sem pena ao mesmo tempo que fecha malas e
veste a peliça de viagem. Ela ainda ri descendo as escadarias nos braços
dele e subindo no carro. Houve um instante de silêncio. Retenho minha
respiração para ouvir. As portas batem, os cavalos relincham, ouço
durante algum tempo ainda o carro se afastando, depois tudo se apaga."