(...) Descendo a Rue Droite, vinha uma carruagem fechada, puxada por dois cavalos - a carruagem do delegado de polícia. (...) Muitos acharam até que a encenação da entrada fora adequada. Um criminoso tão incomumente horrendo merecia um tratamento incomum. Não se podia arrastá-lo em correntes até a praça, como um assaltante ordinário. Tirá-lo da carruagem e levá-lo para a cruz de Santo André - isso era de uma crueldade incomparavelmente mais imaginosa.
(...) Grenouille desceu da carruagem como um homem livre.
Foi quando aconteceu um milagre. Ou algo parecido com um milagre, ou seja, algo de tal modo inconcebível, inimaginável e incrível que todas as testemunhas o teriam depois classificado como milagre, se por acaso tivessem alguma vez falado sobre isso (o que não aconteceu, pois mais tarde todos se envergonharam de sequer terem participado disso). (...)
Todos ficaram fracos como mocinhas submetidas ao sedutor charme do namorado. Sobreveio-lhes um poderoso sentimento de simpatia, de delicadeza, de fantástica amorosidade infantil, sim, sabe Deus, de amor por esse pequeno assassino, e não queriam, não podiam fazer nada contra isso. (...)
O povo entregava-se, entrementes, cada vez mais desavergonhadamente à incrível embriaguez dos sentidos. (...)
A consequência foi que a planejada execução de um dos criminosos mais merecedores da abominação em sua época acabou redundando no maior bacanal que o mundo havia visto desde o segundo século antes de Cristo: pudendas senhoras rasgavam as blusas, soltavam com histéricos gritos os seus seios, jogavam-se no chão com as saias puxadas para cima. Homens tropeçavam com olhares errantes pelo campo da lasciva carne exibida, puxavam, com os dedos a tremer, para fora das calças os seus membros endurecidos, duros como se estivessem sido congelados por uma geada invisível, saíam chiando, gemendo em qualquer lugar, copulavam mas mais impossíveis posições e combinações, velho com virgem, jornaleiro com mulher de advogado, aprendiz com freira, jesuíta com mulher de maçom, tudo misturado, conforme o acaso dispusesse. O ar estava pesado com o doce cheiro do suor do desejo e barulhento com a gritaria, com os grunhidos e gemidos dos dez mil animais humanos. Era infernal.
Trecho de O Perfume, de Patrick Süskind
Um comentário:
Fico feliz que tenha se inspirado em meu blog a ponto de ter publicado meu post aqui.
Meus carinhos.
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