sábado, 31 de julho de 2010

Lilith, de Anaïs Nin

Lilith era sexualmente fria, e seu marido sabia disso parcialmente, apesar dos fingimentos dela
(...)
Os dois ficaram lá sentados, e ele a olhava com a expressão de branda tolerância que estampava com freqüência, diante das explosões nervosas dela, das crises de egotismo, da autocensura, de pânico. Ele reagia a todo comportamento dramático dela com um bom humor e paciência inabaláveis. Ela sempre esbravejava sozinha, enfurecia-se sozinha, passandopor vastas convulsões emocionais nas quais ele não tomava parte.
Aquilo possivelmente era símbolo da tensão sexual que não ocorria entre eles. Ele recusava todos os desafios e hostilidades primitivos e violentos dela, recusava-se a entrar naquela arena emocional com ela e responder às suas necessidades de ciúmes, de medos, de batalhas.
Talvez se ele tivesse aceitado os desafios e jogado os jogos de que ela gostava, talvez então ela tivesse sentido a presença dele com um impacto físico maior. Mas, o marido de Lilith não conhecia os prelúdios do desejo sensual, não conhecia nenhum dos estimulantes que certas naturezas selvagens requere, e, por isso, em vez de responder tão logo via a esposa ficar elétrica com o rosto mais lívido, os olhos relampejantes, o corpo inquieto e aos trancos como um cavalo de corrida, ele recuava para trás daquela parede de compreensão objetiva, daquela troça e aceitação, exatamente como alguém que observa um animal no zoológico e sorri de seus trejeitos, mas não é induzido àquele estado de espírito. era isso que deixava Lilith em estado de desolação - de fato como um animal selvagem em um deserto total.
Quando ela esbravejava e sua temperatura subia, o marido não era visto em lugar nenhum. Ele era como um céu plácido olhando para ela lá de cima e esperando que a tempestade se consumisse por si. Se ele, como um animal igualmente primitivo, tivesse aparecido na outra extremidade daquele deserto, encarando-a com a mesma tensão elétrica de cabelo, pele e olhos, se tivesse aparecido com o mesmo corpo selvage, abrindo caminho à força pesadamente e querendo algum pretexto para saltar, abraçar com fúria, sentir o calor e a força do oponente, então poderiam ter rolado juntos, e as mordidas poderiam ter se tornado de outro tipo, e o bote poderia ter se tornado um enlace, e os puxões de cabelo poderiam ter juntado bocas, juntado dentes, línguas. E a partir da fúria os genitais poderiam ter roçado um no outro emitindo fagulhas, e os dois corpos teriam entrado um no outro para dar fim àquela formidável tensão.


Anaïs Nin

Um comentário:

Anônimo disse...

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