terça-feira, 18 de março de 2008

Sexus, trecho de ( idéias)

"Há um tempo em que somos tiranizados pelas idéias, em que nos transformamos em vítimas indefesas do pensamento alheio. Esta 'possessão' pelos outros sempre parece ocorrer em períodos de despersonalização, nos quais nossas identidades conflitantes desgrudam umas das outras, por assim dizem. Normalmente as idéias não nos abalam; vêm e vão, são aceitas ou rejeitadas, usadas como camisas, removidas como meias sujas. Mas nos períodos que chamamos de crises, quando o espírito perde a unidade e racha como um diamante sob golpes de marreta, essas idéias inocentes de um sonhador nos tomam de assalto, alojam-se nas reentrâncias do cérebro e por algum sutil processo de infiltração acarretam uma alteração definitiva e irrevogável da personalidade. Por fora, nenhuma grave mudança ocorre; o indivíduo afetado não assume de chofre um comportamento diferente; pelo contrário, pode até comportar-se de um modo mais 'normal' do que antes. E essa normalidade aparente vai assumindo a qualidade de um dispositivo de proteção. De uma aparência ilusória, passa à ilusão interior. A cada nova crise, porém, adquire nova consciência mais intensa de uma mudança que não é mudança, mas antes a intensificação de alguma coisa que se esconde bem no fundo de seu interior. Agora, toda vez que fecha os olhos, ele realmente consegue ver. Não enxerga mais uma máscara. Vê sem ver, para ser mais exato. A capacidade de ver sem enxergar, uma percepção fluida de tudo que é intagível: a fusão de imagem e som: o coração da teia. É aqui que brotam as personalidades distantes que fogem ao contato grosseiro com os sentidos; é aqui que os sons secundários produzidos pelo reconhecimento se entrechocam com delicadeza, resultando em harmonias claras e vibrantes. Nenhuma linguagem é empregada. nenhum contorno é delineado."


Henry Miller

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