quarta-feira, 21 de maio de 2008

Diários, fragmento 05

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"Fui para meu quarto, envenenada. Incessantemente, soprava o mistral, sêco e morno. Estava eu assim há dias, desde que cheguei. Destroçava meus nervos. Não pensei em nada. Sentia-me dividida, essa divisão me matava, a luta por sentir alegria, uma alegria inalcançável. A irrealidade opressiva. De novo a vida retocedendo, iludindo-me. Eu possuia o homem que amava em meus pensamentos; eu o tinha em meus braços, em meu corpo. O homem que busquei por todo o tempo, que marcou minha infância e me perseguia. Havia amado fragmentos dele em outros homens: o brilho de John, a compaixão de Allendy, as abstrações de Artaud, a força criativa e o dinamismo de Henry. E ele todo estava ali, tão belo de fisionomia e corpo, tão ardente, com uma força maior, todo unificado, sintetizado, mais brilhante, mais abstrato, com maior força e sensualidade. O amor por este homem, pelas semelhanças entre nós, pela relação de sangue, atrofiava minha alegria. E deste modo, a vida fazia comigo seu velho truque de dissolução, de perda do palpável, do normal. Soprava o vento mistral e se destruíam as formas e os sabores".

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Anais Nin

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