terça-feira, 6 de maio de 2008

Trópico de Câncer, fragmento 14

"Vejo essa outra raça de indivíduos esquadrinhando o universo, virando tudo de cabeça para baixo, os pés sempre se movendo em sangue e lágrimas, as mãos

sempre vazias, sempre se estendendo na tentativa de agarrar o além, o deus inatingível: matando tudo ao seu alcance a fim de acalmar o monstro que lhe

rói as entranhas. Vejo que quando eles arrancam os próprios cabelos no esforço de compreender, de capturar esse eterno inalcançável, que quando

eles berram como bestas enlouquecidas, rasgam as presas e ferem com os chifres, isso está certo, que não há outro caminho a seguir. Um homem que

pertence a essa raça precisa ficar em pé no lugar alto, com palavras desconexas na boca, arrancar as próprias entranhas. É certo e justo, porque

ele precisa! E tudo quanto fique aquém desse aterrorizador espetáculo, tudo quanto seja menos sobressaltante, menos terrificante, menos louco, menos

delirante, menos contagiante, não é arte. O resto é falsificação. O resto é humano. O resto pertence à vida e à ausência de vida."



Henry Miller

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