sábado, 19 de novembro de 2011

Trópico de Cancer fragmento 34








" (...) Alguns meses mais tarde. O mesmo hotel, o mesmo quarto. Olhamos para o pátio lá fora, onde há bicicletas estacionadas, e lá em cima, abaixo do sótão, fica o quartinho onde um jovem sabido tocava o fonógrafo o dia inteiro e repetia coisinhas engraçadas com o máximo de sua voz. Digo "nós", mas estou exagerando, pois Mona foi-se embora há muito tempo e é só hoje que vou encontrar-me com ela na Gare St. Lazare. Ao anoitecer, lá estou com o rosto apertado contra as grades, mas não há Mona alguma, e leio e releio o cabograma, mas de nada adianta. Volto para o Quartier e apesar de tudo faço uma copiosa refeição. Caminhando ao léu diante do Dôme um pouco mais tarde, vejo de repente um rosto pálido e pesado, com olhos ardentes - e o vestidinho de veludo que sempre adorei porque embaixo do veludo macio sempre houve uns seios quentes e pernas de mármore, frias, firmes, musculares. Ela se ergue do mar de rostos e abraça-me, abraça-me apaixonadamente - milhares de olhos, narizes, garrafas, janelas, bolsas, pires, tudo nos fitando e nós, um nos braços do outro, esquecidos. Sento-me ao seu lado e ela fala - uma torrente de palavras. Notas selvagens e consumptivas de histeria, perversão, lepra. Não ouço uma só palavra porque ela é bela, eu a amo e agora estou feliz e desejando morrer."


Henry Miller

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