quarta-feira, 5 de novembro de 2008

teu goso









Guiei-me para o quarto, cego de pupilas dilatadas, a claridade me feria, tirava lascas de meu ser. A cama sedenta pelo corpo, o corpo sedento pelo sexo. Ao sexo só dava-se minha mão e minha mão só podia conter a ânsia profunda que repuxava em meu estômago. A mão incapaz de qualquer ação que me valeria de satisfação. A escuridão resplandecente era cúmplice de meus crimes.

A mão cansada me doía no fundo do peito, a cabeça latejando, as imagens rondando. O que era real não sou capaz de dizer, o que era pura alucinação menos ainda. As pálpebras entregavam meu estado e o sorriso doentio assustava o que não estava ali. A incerteza da paixão nunca ganha, porém perdida era a droga que me sugava para o inferno de minha coleção de horrores.

Sons inaudíveis que me penetravam, não pelos ouvidos – eram expelidos por eles –, vinham de dentro para fora na ânsia de ganhar o exterior. Insanidade material, indetectável. O gozo da vida que me era negado, o corpo incapaz da ação, a mente corroída: esse era meu eu.

As unhas lascadas, feridas abertas, a braguilha sobressalente. Cabelos revoltos, o peito descarnado, a boca de entrada. A fantasia já não me satisfaz, corrida de pés descalços sobre o vidro, a dor que já não sinto. Corda; me chama. Navalha; se manifesta em minha covardia.

O dia que estava por nascer trazia à tona todos meus medos mais profundos, se a escuridão era cúmplice, a luz entregava. O ser ignóbil que era temia a não ignorância e por isso a deixava ser. O não saber é o não temer, o temer tudo. Em minhas aflições era consumido. Pouco a pouco tornei-me não mais eu, mas um eu que se escondia em minhas entranhas e usava meu corpo já fraco.

A insanidade que me tomava não se fazia perceber por mim e assim crescia. A comida era asquerosa, o café, lama. As vozes gritavam meu nome por trás das paredes, me convidavam a conhecê-las. Vozes sem corpo, canários que cantavam em latim. O marasmo me consumia, a agitação me ensandecia. A rota já não era mais bifurca, tinha milhares de caminhos sobrepostos, os pés calejados já não podiam mais me guiar. O tripé só tinha duas pernas.

O vaso sanitário enferrujado, o espelho trincado, a pia com vazamento, o chão imundo. Se ainda me restava alguma iluminação interna, acabara ali. Já não era nada mais que um homúnculo, um corpo vazio, super-poderes. O poder era o que matava, o poder indiferente, ejetor da indiferença latente em minha alma: alma que diluíra-se.

Os joelhos grudados no chão pegajoso, esfolado pelo rastejo, cortado pelo vidro. De cabeça baixa tentava manter os olhos abertos. As horas, os dias, os meses, o sistema métrico que jazia em alguma parte deteriorada de meu cérebro – ainda lembrava de sua existência, mas já não media. Não era necessário.

Insensatez, corpo nu. As costelas marcadas em vermelho. O som da fechadura ressoa como o badalo de um sino contando as horas pro final. Guimbas queimadas até o filtro forram o chão e se misturam com todos meus dejetos. Traços do que ora fora puro prazer e já não passa de fluído desprendido. Quero limpar-me, mas a porta está entreaberta e minha perdição espreita pela fresta.

O badalo final e tu adentras, teu sorriso tão doentio quanto meu próprio. Desfere palavras contra mim sem qualquer pudor. Teu corpo que recende à eroticidade. Nojo, a bile subindo à boca, tu és o espelho de minha desgraça. Desejando teu corpo desejo o meu próprio e já não posso conter o impulso: do vomito que despejo é apenas a saliva que corre por minha boca.

Necessito de teu corpo e tu necessitas do meu. A carne que pulsa pela carne. A mão antes incapaz só serve para possuir-te. Não há mais canários nem idiomas estranhos, apenas tua fala suja, gritando num sussurro palavras imundas que me excitam.

Teu corpo nu deitado sobre o meu, o suor de dois em apenas um, o gozo delirante que não passa de urina. Não há amor, não há sexo. O espelho turvo que tu és retira de mim os fluídos da vida. Como me vejo em ti, te vês em mim, nada passa da masturbação de dois seres abjetos. Retiro do teu resto tudo o que posso e fazes o mesmo, nada restando além de estímulos.

Saia! Preciso que sumas reflexo maldito. De visões de minha desgraça basta meu antro, não preciso que a sinalize com tua presença. Chega de palavras sujas. A tuas caricias já me dei, os espasmos de meu corpo não agüentam também os teus. O orgasmo que te tomou já foi o suficiente, se queres mais, recorre a outro! Toda a vida que ainda tinha foi-se. Absorvida por ti num jato quente. O corpo que grita pelo sexo não pede pelo teu sexo. O sexo que é a vida nunca serás o teu, pois estais tão morta quanto eu. Some!

Sem carne, frio, decomposto, se ainda me restava algo, tiraste de mim. Desprezível como eu, és o que é. Leve tua desgraça e me abandona com a minha. Deixe meu corpo tão sedento quanto quando entraras aqui. Deixe-o sedento e fraco, pois já tiraste, de mim, tudo. Some! Some e deixe minha mão incapaz tornar-se a solução. A solução com o trinco e a agulha.

Textos desconexos

Um comentário:

O Fantasma e o Anjo disse...

Huuuummmm
Beijo e abraço...