terça-feira, 9 de setembro de 2008

Trópico de Câncer

(...)
Ela quer partir. Partir... Novamente seus quadris, aquele deslizar fugidio como quando desceu do salão de danças e entrou em mim. Novamente suas palavras... "de repente, sem razão alguma, ele se curvou e levantou meu vesitdo". Ela escorrega a pele em volta do pescoço. O pequeno chapéu preto faz seu rosto destacar-se como um camafeu. O rosto redondo e cheio como maçãs eslavicas. Como poderia eu sonhar com isto, sem nunca tê-lo visto? Como poderia eu saber que ela se levantaria assim, bem perto de mim, com o rosto cheio branco e florescendo como uma magnólia? Estremeço quando a opulência de sua coxa roça por mim. Ela parece mesmo um pouco mais alta que eu, embora não seja. É a maneira como ergue o queixo. Ela não repara onde está pisando. Caminha sobre coisas, para a frente, para a frente, com olhos bem aberto e fitos no espaço. Não há passado, nem futuro. Mesom o presente parece incerto. O eu parece tê-la deixado e o corpo corre para a frente, o pescoço cheio e retesado, branco como o rosto, cheio como o rosto. A conversa continua, naquela voz baixa e rouca. Não tem começo nem fim. Eu não tenho consciência do tempo. Ela tem o pequeno útero da garganta preso ao grande útero do pélvis. O táxi está na esquina e ela ainda mastiga a palha cosmológica do ego exterior. Apanho o tubo acústico e me ponho em comunicação com o duplo útero. Alô, alô, você está ai? Vamos com isso - táxis, barcos, trens, lanchas a gasolina; praias, percevejos, rodovias, desvios, ruínas; relíquias, velho mundo, novo mundo, cais, mulher; o grande fórceps, o trapézio volante, o fosso, o delta, os jacarés, os crocodilos, conversa, conversa e mais conversa; depois rodovias de novo e mais poeira nos olhos, mais arco-íris, mais aguaceiros, mais comidas no desjejum, mais cremes, mais loções. E quanto todas as estradas tiverem sido atravessadas e ficas apenas a poeiras de nosos pés frenéticos ainda restará a lembrança de seu grande rosto cheio tão branco, da boca larga com os lábios frescos separados, dos dentes brancos como giz e todos perfeitos, e nesta lembrança nada poderá mudar porque isto, como seus dentes, é perfeito...
É domingo, o primeiro domindo de minha nova vida, e estou usando a coleira de cão que você prendeu no meu pescoço. Uma nova dia estende-se à minha frente. Começa com o dia do repouso. Fico deitado de costas sobre uma larga folha verde e observo o sol entrando impetuosamente em seu útero. Que barulho e que estrondo ele faz! Tudo isso expressamente para mim, não é? Se pelo menos você tivesse um milhão de sóis em seu interior! Se pelo menos eu pudesse ficar aqui deitado para sempre apreciando os fogos de artifício celestiais!
Fico suspenso sobre a superfície da lua. O mundo está em um transe uterino: o ego interior e o ego exterior estão em equilíbrio. Você me prometeu tanta coisa que s eeu nunca sair disto não fará diferença. Parece-me que transcorreram exatamente 29.960 anos desde que adormeci dentro do útero negro do sexo. Parece-me que dormi talvez 365 anos demais. Mas seha como for agora estou na casa certa, entre os números seis, e o que está atras de mim é bom e o que está à minha frente é bom. Você veio disfarçada como Vênus, mas é Lilith e eu sei disso. Toda a minha vida está na balança, gozarei deste luxo por um dia. Amanha inclinarei os pratos. Amanha o equilíbrio acabará; se um dia for de novo encontrado será no sangue e não nas estrelas. É bom que você me prometa tanto. Eu preciso que me prometam quase tudo, pois vivi na sombra do sol durante muito tempo. Quero luz e castidade - e fogo solar nas entranhas. quero ser enganado e desiludido para poder completar o triângulo superior e não ficar continuamente voando para fora do planeta no espaço. Acredito em tudo que você me conta, mas sei também que tudo sairá de maneira diferente. Recebo-a como uma estrela e uma cilada, como uma pedra para inclinar os pratos da balança, como um juis que está com os olhso vendados, como um buraco em que cair, como uma alameda para passear, como uma cruz e como uma flecha. Até o presente eu viajei na direção oposta ao sol; daqui por diante viajarei em dois sentidos, como sol e como lua. Daqui por diante tomarei dois sexos, dois hemisférios, dois céus, dois pares de tudo. Daqui por diante terei duas juntas e dois sexos. TUdo quanto acontece acontecerá duas vezes. Eu serei um visitante deste terra, partilhando de suas bençãos e levando seus presentes. Nunca servirei nem serei servido. Procurarei o fim em mim mesmo.
Olho de novo para o sol la fora - meu primeiro olhar pleno. Está um vermelho cor de sangue e homens caminhm pelos telhados. Tudo quanto existe acima do horizonte é claro para mim. É como domingo de páscoa. A morte ficou para trás e o nascimento também. Vou agora viver entre as doenças da vida. Vou viver a vida espiritual do pigmeu, a vida secreta do homenzinho na solidão do mato. Interior e exterior trocaram de lugar. O equilíbrio não é mais o objetivo - as balanças devem ser destruídas. Deixe-me ouvi-la prometer de novo todas aquelas coisas ensolaradas que você leva em seu interior. Enquanto repouso a céu aberto, deixe-me tentar acreditar por um dia que o sol traz boas novas. Deixe-me apodrecer em esplendor enquanto o sol penetra impetuosamente em seu útero. Acredito implicitamente em todas as suas mentiras. Aceito-a como a personificação do mal, como a destruidora da alma, como a marani da noite. Pregue seu útero na minha parede, para que eu possa lembrar-me de você. Precisamos partir. Amanhã, amanhã...

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