sexta-feira, 4 de julho de 2008

A historia de O

"...Pierre (criado do castelo e encarregado do encarceramento de Ó) esperou que ela tomasse seu banho e que se maquilasse. E, quando Ó foi buscar seus chinelos e sua capa vermelha, interrompeu-a, e amarrando suas mãos às costas, mandou-a esperar um pouco. Ó sentou-se na beira da cama.

...Quando voltou, Pierre trazia nas mãos a mesma venda com que tinham tapado seus olhos na primeira noite. Trazia, também, uma longa corrente barulhenta, semelhante à da parede. Parecia que hesitava entre pôr-lhe primeiro a corrente, ou a venda. Indiferente ao que se fizesse com ela, Ó olhava a chuva (pela janela)....

Pierre colocara a corrente sobre a cama e, sem perturbar os sonhos de O, punha sobre seus olhos a venda de veludo negro...

Bendita noite, semelhante à sua própria noite, jamais a tinha acolhido com tanta alegria, benditas correntes que a arrancavam de si mesma! Pierre prendeu a corrente no anel de sua grossa coleira e pediu-lhe que o acompanhasse. Ó levantou-se, sentiu que era empurrada para a frente, e caminhou. Seus pés descalços ficaram gelados no ladrilho e compreendeu que seguia o corredor da ala vermelha; depois o chão, sempre frio, tornou-se áspero: caminhava sobre um pavimento de pedra, cerâmica ou granito. Por duas vezes o criado a fez parar: escutou o ruído de uma chave girando numa fechadura que foi aberta e depois novamente trancada. "Cuidado com os degraus", disse Pierre. Começou a descer uma escada....

Tremendo de frio, descera finalmente os últimos degraus, quando ouviu que mais uma porta se abria e, assim que passou por ela, sentiu sob os pés um tapete espesso. Mais uma vez a corrente foi esticada e, em seguida, as mãos de Pierre desamarraram suas mãos e tiraram sua venda. Encontrava-se num compartimento redondo e abobadado, muito pequeno e baixo; as paredes e a abóbada eram de pedra e viam-se as juntas de alvenaria. A corrente que estava presa ao seu colar, ficara presa também à uma argola fixada a um metro de altura do chão, na parede de frente para a porta, e só lhe permitia dar dois passos para a frente. Não havia cama, nem algo que pudesse ser usado como tal, nem coberta, apenas três ou quatro almofadas marroquinas, mas fora de seu alcance, e que não lhe eram destinadas. Entretanto, ao seu alcance, num nicho de onde partia o pouco de luz que iluminava a peça, encontrava-se uma bandeja de madeira com água, frutas e pão...

....Pierre, ou qualquer outro criado, indiferentemente, vinha pôr água, frutas e pão na bandeja quando faltava, e levá-la para banhar-se num cômodo ao lado. Ó nunca via os homens que entravam, pois todas as vezes um criado vinha antes para vendar seus olhos e só retirava a venda quando tinham saído. Ó também perdeu a conta de quantos foram, e suas doces mãos e seus lábios acariciando às cegas jamais souberam reconhecer à quem estavam tocando. Às vezes eram muitos, mas na maioria das vezes vinham sozinhos, mas todas as vezes, antes de se aproximarem, era posta de joelhos diante da parede, com o anel do seu colar pendurado na mesma argola onde já se encontrava fixada a corrente, e chicoteada. Colocava então as palmas das mãos contra a parede, apoiando nelas o rosto para não arranhá-lo na pedra; mas mesmo assim ainda escoriava os joelhos e os seios. Também perdeu a conta dos suplícios e dos gritos que a abóbada abafava.


Pauline Réage, trecho do livro " A historia de O "

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